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Arquivos Estudos - Sandra Filardi

 Aplicação prática do conceito de “Obra Aberta”

Como aplicar concretamente o conceito de “obra aberta” analisando uma pintura de Rubens

Por Francisco de Assis Portugal Guimarães Universidade Federal da Bahia. Museu de Arte Sacra

Umberto Eco propôs o modelo teórico de “obra aberta” que não representasse uma mera cópia da estrutura de determinadas obras. Propôs um conjunto de relações fruitivas que permitissem a comunicação entre o observador e o objeto fruído sob o impulso da mensagem estética. O objetivo deste trabalho é aplicar concretamente o conceito desta estrutura de “obra aberta”, na análise de uma pintura de Rubens. Do ponto de metodológico, trata-se de um estudo exploratório e bibliográficos. Dentro dos limites propostos pelo conceito de “obra aberta”, fez-se uma leitura da pintura. Por se tratar de uma obra barroca, permite ao fruidor múltiplas possibilidades interpretativas, com variadas alternâncias de foco. Na condição de intérprete, esta experiência proporcionou atos de liberdade consciente no entendimento da obra objeto da fruição.

Como Umberto Eco define “Obra Aberta”

A “obra aberta”, segundo Umberto Eco (2008), estimula no intérprete uma cadeia de entendimentos e interpretações espontâneas, porém conscientes. Permitindo-lhe, por meio de inúmeras possibilidades, uma maneira própria e pessoal de entendimentos. Sem que estes estejam condicionados por padrões ou normas pré-estabelecidas tradicionalmente a conduzi-lo na organização do objeto passível de fruição.

Fruição

Ação de aproveitar ou usufruir de alguma oportunidade. Utilização prazerosa de algo; gozo.

Experiência

Proporcionou atos de liberdade consciente no entendimento da obra objeto da fruição.

Semiótica

A semiótica estuda as significações que podem ser atribuída aos fatos da vida social. Neste estudo, estes fatos — imagens, gestos, sons melódicos, elementos rituais, mitos, entre outros — são concebidos como sistemas de significação.

Roland Bartes (1989) entende que a semiologia é uma parte da linguística.  Na medida em que toma a seu cargo as grandes unidades significantes do discurso. Em seu campo de possibilidades há também o projeto de ser aplicada a objetos não-linguísticos. É exatamente na perspectiva de aplicação da semiótica a objetos não-linguísticos, que podemos analisar uma obra de arte, aplicando o conceito de “obra aberta” de Umberto Eco.

Objeto deste Estudo

O objeto deste estudo é a representação artística da Sagrada Família. Produzida pelo pintor  Rubens (1577-1640), do acervo do Richart Museum, Colônia, Alemanha. Optação por esta obra por ser um dos marcos mundiais da arte em estilo barroco. Este período artístico considerado neste estudo, marcou significativamente boa parcela da arte sacra colonial brasileira.

Barroco

O barroco na arte é um estilo que permite-nos alternativas que rompam com os valores clássicos de “acabado” e “definido”. Oferecendo-nos um campo visual mais abrangente de possibilidades fruitivas, ampliando e flexibilizando nossas disponibilidades para a prática dos sentidos e ao agrado da inteligência. São inúmeras e variadas alternativas dadas ao olhar numa arte. Esta exprime em suas massas, nas misturas de suas cores e tonalidades repletas de luz e sombras.

O objetivo deste trabalho é aplicar concretamente o conceito desta estrutura denominada de “obra aberta”, de Eco. Análise da pintura de Rubens, sob novas alternâncias de foco. Trata-se de um estudo exploratório e bibliográfico.

Considerações

Gil (2002, p. 41), para o qual o estudo exploratório tem como propósito “[…] o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições”

“Boa parte dos estudos exploratórios pode ser definida como pesquisas bibliográficas. “ (GIL, 2002, p. 44).

Segundo Eco (2008), a inquietude barroca é considerada como a primeira manifestação inequívoca da cultura moderna. Pela primeira vez o homem tem uma ação de se esquivar dos ditames dos cânones.  Assim na arte e na ciência, é estar defronte de um universo em movimento que exige dele ações inventivas “[…] que vê na obra de arte, não um objeto baseado em relações evidentes, a ser desfrutado como belo, mas um mistério a investigar, uma missão a cumprir, um estímulo à vivacidade da imaginação” (ECO, 2008, p. 45).

Objeto Analisado: Uma Pluralidade de Significantes

A pintura de Pieter Paul Rubens retrata a Sagrada Família (Jesus, Maria e José), ladeada por João e Isabel.

“obra aberta”- Estudo Obra Rubens
Sagrada Família – Estudo da composição

Rubens registra nesta obra a grandiosidade dos valores estéticos do barroco. Evidentes na imperiosidade dos volumes, nos trajes das personagens, nas formas grandiosas das figuras, na belíssima concepção de texturas e na excepcionalidade da luz.

Perspectiva Analítica 

Na perspectiva analítica de “obra aberta”, entendemos que o pintor quis que a cena estivesse inserida dentro de um ambiente carregado e sombrio, com o fundo se perdendo nos limites de uma noite nebulosa. Dentro dessa aura nevoenta e quase irreal, os personagens assumem atitudes, acendem luzes no quadro. Permitem, através de uma relação visual mais rica de possibilidades fruitivas, o descortinamento de sua abertura.

O Casal

Concebidos num plano recuado, porém próximo, um casal idoso discretamente destaca sua silhueta. O homem é visto quase frontalmente, encoberto parcialmente pela mulher. Seu talhe escuro destaca-lhe o rosto numa área de sombra e acentua um olhar atento e intrigado. Enquanto o braço estendido deixa à mostra uma mão possante e até rude. Esta carregada de energia e segurança. A se apoiar ou, quem sabe, a deter talvez num gesto de constante proteção algo indefinível, diluído e camuflado dentro da penumbra.

A Anciã

Ocupando um espaço mais iluminado, emerge a anciã de maneira contida e serena aos olhos do espectador. Seu rosto irradia uma placidez etérea, como a de um ser celestial, glorificado. Seu olhar, preso a um ponto comum ao olhar do homem, tem, entretanto, uma imobilidade atenta. Por instantes, sua mão, num gesto decidido, tenta conter ou impede o impulso da criança que lhe está mais próxima. O propósito dela é de não permitir que nada aconteça além daquele momento, onde um espetáculo deslumbrante parece se desenrolar ante seus olhos e do qual quisesse fruir completamente, sem interferências.

Mas que impulso será esse que leva o pequenino a romper, a desequilibrar aquele instante de veneração profunda, fazendo a mulher idosa sair do seu estado hipnótico de adoração e colocando talvez aquela ruga na testa do homem que espreita silenciosamente?

A Criança

A criança que se insinua num impulso, está de perfil.  A intensidade do olhar que ela projeta em direção à mulher jovem, sentada a sua frente, é perfeitamente captada pelo espectador. Este sente que este olhar esconde tanto ou mais do que manifesta. Que seria preciso mergulhar em profundidades inatingíveis para tentar decifrá-lo. Ao mesmo tempo que sugere uma súplica, um pedido, parece alertar, anunciando algo.

A Mulher Jovem

Quanto à jovem, contida no seu estado de êxtase profundo. Parece não se surpreender ante aquela interrupção espontânea e lhe retribui o olhar serenamente. A partir desse exato momento, quando seus olhos se cruzam e se superpõem, um diálogo se inicia em perfeita sintonia. Dispensando a linguagem falada, todo um processo se desencadeia. Envolvendo nessa reciprocidade uma rede infinitamente complexa, humanamente inimaginável de entendimentos e correlações.

Foco de atenção

Cumpre, no entanto, atingir o cerne de toda essa atenção. Este centro de referências, em torno do qual gravitam esses rostos atentos. Sem dúvida nenhuma, é o foco direcional e tema principal no qual se ordena e se compõe toda a representação. Facilmente é identificado, em forma de criança, pousada suavemente no colo da mulher jovem. Afastado no momento de pausa do seio que lhe é oferecido como fonte de vida ou, quem sabe, numa atitude implícita da mulher, de querer alimentar a si própria. Irradiando, pois, tanta luz, é essa criança a figura mais visível da representação. Abrindo-se numa claridade que lhe brota do interior. De lá se espalha aos borbulhões, banhando a todos, delineando rostos, corpos e formas…

Está ele, pois, com o rosto virado, a cabeça inclinada levemente por sobre o ombro. Olhando para a frente, fixando um ponto invisível, fora do quadro, enquanto seu braço direito apenas toca o ombro da mulher. Com certa displicência, numa atitude de total independência, indiferente a todos que o circundam, senhor absoluto do seu controle e domínio. É preciso reconhecer que esta indiferença leva a que se concentre a atenção nele. A mulher só se iguala ao seu gesto, quando, displicentemente, segura entre os dedos da mão esquerda uma fina linha.  Colocando-o como ponto intermediário entre o gesto do menino à sua frente e a atitude do pássaro, como uma figura simbólica, preso a essa linha que conduz ou limita seu voo em direção à profunda escuridão, povoada de mistérios insondáveis.

O Olhar do Menino

Poderíamos, com efeito, adivinhar o que o menino olha fixamente? Dos seus olhos até aquilo que ele olha está traçada uma linha reta, que se localiza ou se prende a um ponto, o qual podemos determinar. Este ponto, sem dúvida, somos nós, os espectadores, que nos achamos diante do quadro. Varados por este olhar incômodo, inevitável, como uma seta de ponta brilhante que se crava firmemente no local desejado. Mergulha sem relutâncias no invisível do nosso interior, atingindo recantos antes indevassáveis.

Ultrapassando esta referência constituída do olhar do menino como um centro deslocado da cena e prosseguindo. Observamos que, na sua criação, o pintor dispõe as figuras de tal forma, que nos permite compor um estudo, inserindo-o dentro de uma série de figuras (ver imagem: Sagrada Família – Estudo da composição). Uma seria um “X” definido pela linha que parte do olhar da anciã em direção ao menino sentado. Esta linha se cruza com a que, saindo do olhar do menino de pé, encontra o da mulher jovem. Outra seria um grande triângulo, cujos vértices se limitam nos olhos das crianças e do homem.

Resulta, portanto, da combinação destas duas figuras uma série de outros triângulos menores.  Quase todos eles, seus vértices coincidentes com os olhos dos personagens. Estimulando-nos a múltiplas e variadas possibilidades, através de novas direções e leituras, num constante processo de recriação, por meio da alternância de focos, na plenitude total da sua contínua e renovada abertura.

Conclusão

Em meados do século passado, Umberto Eco propôs um modelo teórico de uma “obra aberta” que não representasse uma mera cópia ou reprodução da estrutura de determinadas obras, mas um conjunto de relações fruitivas que permitisse a comunicação entre o observador e o objeto fruído sob o impulso da mensagem estética.

O objetivo deste trabalho foi aplicar concretamente o conceito desta estrutura denominada de “obra aberta”, na análise da pintura de Rubens.

Aplicação do Conceito de “obra aberta”

A aplicação deste conceito de “obra aberta” em uma pintura barroca de autoria de Rubens permitiu-nos o exercício intelectual de fruição na condição de observador. Utilizamos uma sequência de entendimentos permitidos pelas inúmeras possibilidades e variadas alternativas dadas ao olhar. De uma maneira pessoal e criativa de leitura e interpretação consciente, sem nos limitarmos e/ou condicionarmos por normas e regras estabelecidas pela tradição que viessem conduzir e limitar a nossa fruição em relação à obra de arte observada.

Assim, guiados pelo conceito proposto de “obra aberta” fizemos uma leitura da pintura. Em especial por se tratar de uma obra barroca, permitiu múltiplas possibilidades interpretativas, com variadas alternâncias de foco. Na condição de intérprete, esta experiência proporcionou “atos de liberdade consciente” no entendimento da obra objeto da fruição.

Ressaltamos que apesar de passados mais de meio século desde que foi proposta esta conceituação de “obra aberta” e apesar dos avanços nas teorias de comunicação verificados em todo esse período, a proposta de Umberto Eco de “abertura” do objeto estético permanece atemporal. Isto porque ela se sedimenta naquilo que é visceral no ser humano: a sua liberdade de expressão, de pensar e fantasiar sua realidade, seus sonhos e suas inquietações. Ao estimular à assunção da responsabilidade e à escolha individual, o discurso sobre a possibilidade de uma fruição “aberta” da obra de arte constitui-se em um desafio e um estímulo ao ser humano, para que desenvolva sua percepção, sua imaginação e sua inteligência.

Referências

BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. Lisboa: Edições 70, 1989. Coleção Signos 43.
CONTI, Flavio. Como reconhecer a arte barroca. São Paulo: Martins Fontes, 1984. ECO, Umberto. Obra aberta: forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas. São Paulo: Perspectiva, 2008. (Debates; 4).

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
RUBENS, Pieter Paul. Gênios da pintura. São Paulo: Abril Cultural e Industrial, 1973.

O estudo completo deste texto você encontra aqui.

Para adquirir o livro : Livraria Cultura e Estante Virtual

 

 

 

 

 

 

Composição: percepção do dia dia aplicada a expressão artística

Na vida estamos o tempo todo sem perceber, elaborando composições. Quando nos vestimos, pensamos em como vamos nos apresentar perante os outros. Quando nos alimentamos, arrumamos a mesa de uma forma que nos agrade, nosso prato também de forma que agrade  ou de modo que seja prático para nosso jeito de ser. Quando organizamos nossa casa colocando este ou aquele objeto, dispomos móveis, escolhemos cores, enfim estamos sempre construindo uma composição de acordo com critérios pessoais e estéticos particulares que nos represente conforme nossa personalidade.

 

composição

 

Leitura de uma composição

Em se tratando de uma obra de arte, especificamente uma pintura, a composição deve ser pensada de maneira muito próxima da forma como um escritor constrói um bom texto, uma narrativa ou mesmo uma poesia. Isto pode até parecer estranho à princípio, mas as pessoas percorrem uma obra visual de forma muito parecida de como leem um texto.
Nós ocidentais lemos de cima para baixo e da esquerda para direita. Da mesma forma nossos olhos percorrem uma pintura. Caso o autor do texto seja um oriental a composição obedece outros parâmetros de leitura, obviamente levando-se em conta a sua cultura. Assim, a obra de arte no oriente, por exemplo, é pensada de forma distinta do ocidente como são completamente distintas as formas de leituras.

 

leitura

Guiando o olhar do expectador

O início de um texto, assim como a entrada de uma composição deve ser leve, convidar o espectador a percorrer a narrativa. Precisamos oferecer uma degustação que faça com que as pessoas se sintam motivadas a conhecer a história.

 

Camille Monet em um banco do jardim
Monet, Claude (1873) Camille Monet em um banco do jardim – Camille Monet on a Garden Bench

 

O mesmo se dá quando por exemplo ofereço um jantar. A entrada nunca deve ser algo pesado, senão perde-se todo interesse no que vem depois. Se coloco um empecilho logo na entrada da pintura, o espectador perde o interesse em continuar percorrendo visualmente a obra. Algo esta ali impedindo, criando uma barreira visual, um incomodo muitas vezes inconsciente, na qual as pessoas não conseguem continuar percorrendo a tela em questão. Se uma imagem não está bem composta, o observador desvia sua atenção para um ponto sem grande interesse no quadro.

 

Um canto do jardim Hoschedé em Montgeron
Monet, Claude (1876)
Um canto do jardim Hoschedé em Montgeron – A Corner of the Hoschedé
Garden at Montgeron

 

Um bom texto oferece parágrafos, pontos, vírgulas, pausas, entre outros recursos que vão prendendo o espectador. Uma obra de arte deve oferecer ritmos diferentes, variedade de elementos, assim como pontos de descanso visual, vazios, momentos de silêncio que somados formam uma unidade, um todo equilibrado, harmônico. Devo pensar na variedade de forma a ser algo instigante e não confuso, que faça fluir o olhar até chegar ao “ponto de ouro” que é o ponto de maior interesse na pintura.

 

A Dança
Henri Matisse – A Dança (1909 – 1910)

“A disposição da minha pintura tende inteiramente para a expressão pela composição. O lugar ocupado por figuras e objetos, os espaços vazios que o cercam, as proporções, tudo tem seu papel”. Matisse

Variedade e unidade em uma composição

A variedade e unidade são duas qualidades muito importantes numa boa composição. Variar texturas, combinar cores, linhas, grafismo entre muitos outros elementos oferecerem ao observador um rico repertório. Se bem equilibrado, acessa emoções, transmite harmonia, traduzindo a noção do que é “o belo“.

Chegar a este nível de beleza não é uma tarefa fácil. Um bom artista deve pensar a composição de maneira obter satisfação, aperfeiçoando assim o seu trabalho.
O estudo de obras dos grandes mestres, recursos técnicos, materiais e a observação acurada sempre trás bons resultados.
É importante buscar repertórios, pesquisar, estudar e exercitar sempre. A criatividade é inerente ao ser humano e a arte é uma maneira muito especial de comunicar-se, de deixar gravada na memória da humanidade sua história, seus costumes, os pensamentos de toda uma existência.
Por isto, ser artista é muito dignificante, mas exige uma grande responsabilidade perante nós mesmos, perante nossa obra e aquilo que ela eternizará como expressão de toda uma geração a que pertencemos.

“A beleza consiste em unidade na variedade” Aristóteles

Universo – uno em diversos – unidade e diversidade
Unidade sem diversidade é monotonia
Diversidade sem unidade é caos
Unidade com diversidade é harmonia

 

Confusão e Desordem

O conflito entre a Harmonia e a Desordem

A ideia de Beleza foi pensada pelos grandes filósofos. Para Aristóteles o fundamental sobre a Beleza é a harmonia, outro ponto importante colocado foi a questão da desordem. Admitia a desordem e a feiura como elementos aptos a estimular a criação da Beleza através da Arte. A grande contribuição de Aristóteles para a Filosofia Estética foi retirar a Beleza da esfera ideal que Platão defendia.

Para Platão “a Beleza é o brilho da verdade”. A Beleza então, passa a ser vista como propriedade do objeto e não como empréstimo da luz superior.
Aristóteles também escreveu o “Tratado sobre a Tragédia”, onde inclui o Feio na Beleza. Pois o Feio era excluído da Beleza e da Arte até então.

 

Estudo de cinco cabeças grotescas
Estudo de cinco cabeças grotescas — Study of five grotesque heads – da Vinci, Leonardo
Caneta e tinta sobre papel | (data incerta 1494) 
Royal Library | Windsor – Inglaterra

 

 

O Grito
O Grito – The Scream – Munch, Edvard
Têmpera sobre Cartão | (1910) 
The Munch Museum | Oslo – Noruega

 

Para acessar o banco de imagens do Centro de História da Arte e Arqueologia (CHAA) – Unicamp, clique aqui.

A relação figura e o fundo: estética e ideologia

A relação figura e o fundo: estética e ideologia, escrita por Marcelo Ribeiro é aqui apresentada na integra por entender e cientificar a profundidade com que o autor explorou este tema. Segue assim dizendo…

A relação figura e o fundo é um dos componentes da percepção visual humana que repercute de forma mais intensa na vida das imagens. Conseguimos identificar melhor um objeto, delimitando seus contornos com mais nitidez, quando ele se destaca, por contraste, sobre um fundo que tende à indefinição e à indistinção. Num jogo de escalas, a cada plano do campo visual corresponde uma instância da segregação figura-fundo, de modo que o que é figura num plano pode se revelar o fundo de outra figura em outro plano, e assim por diante.

Quando vemos uma imagem que representa visualmente o mundo, nossos olhos se apressam a diferenciar figura e fundo, com base nos tamanhos relativos dos objetos representados, nas suas formas, texturas e cores, decodificando o que se passa em duas dimensões na imagem como a representação de um espaço tridimensional (como aquele em que nos encontramos, no mundo). A ilusão de profundidade que marca a representação em perspectiva constitui apenas uma forma mais sofisticada – por cálculos geométricos que organizam uma projeção ótica com base em regras convencionais – desse jogo ao qual se entregam nossos olhos, como crianças afoitas. Mesmo quando a perspectiva está ausente ou ao menos rarefeita num desenho infantil, por exemplo, é na fronteira entre figura e fundo que nossos olhos procuram seu caminho.

Mas talvez devêssemos inverter o raciocínio da primeira frase do parágrafo anterior e dizer que, numa perspectiva histórica e antropológica, é a relação entre figura e fundo na vida das imagens que repercute na percepção visual humana. O que é fundamental para a antropologia é ir além do reconhecimento de que o ser humano produz cultura: antes de produzi-la, tanto do ponto de vista da evolução da espécie (filogênese) quanto do ponto de vista do desenvolvimento individual (ontogênese), o ser humano tal como o conhecemos hoje é um produto da cultura. Para discussões mais detalhadas dessas e de outras questões, indico a leitura de A interpretação das culturas, do antropólogo Clifford Geertz. Outro livro interessante sobre o conceito é A invenção da cultura, de Roy Wagner. Para uma introdução mais geral ao assunto, ver A noção de cultura nas ciências sociais, de Denys Cuche.

Sempre que o espelho superficial das imagens se agita – especialmente por causa de transformações nas técnicas de fabricação e nos aparelhos que dão vida às imagens e ao sensível – a percepção recebe o impacto das ondas, primeiro em seu litoral – em que o que se passa nas imagens bate como o choque da rebentação do mar – e em seguida em suas intermináveis vias – nas quais se perde uma parte do impacto litorâneo. Se as técnicas e os aparelhos se transformam com rapidez, inscrevendo-se no tempo curto da história da tecnologia e agitando o espelho das imagens com que convivemos, a percepção que recebe o impacto dessas transformações possui uma consistência mais duradoura, inscrevendo-se no tempo (sem dúvida mais longo) da história da sensibilidade. Um dos ensaios mais importantes de Walter Benjamin, “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, discute justamente o impacto da emergência dos aparelhos fotográfico e cinematográfico sobre a percepção e a sensibilidade humanas. É leitura fundamental para quem se interessa por fotografia, cinema e arte.

O simbólico

No cerne da relação entre figura e fundo, está a questão da legibilidade da imagem. Não se deve opor escrita e imagem como dois meios de expressão diferentes e estrangeiros entre si. Assim como a história da escrita passa pela história da imagem (e vice-versa), as operações cognitivas necessárias para a compreensão e a utilização da escrita e de imagens se entrelaçam (embora não cheguem a se confundir). Imaginamos palavras e palavreamos imagens. É preciso, aliás, suplementar a alfabetização tradicional, centrada no aprendizado da escrita, com o que tem sido chamado, a meu ver erroneamente (mas isso é assunto pra outro momento), de “alfabetização visual”, trazendo para o campo da educação a questão do aprendizado das imagens.

Quando se trata de ler a foto de Vanessa Maia Cassettari do filhote de sabiá-laranjeira “pronto para abandonar o ninho”, é preciso levar em conta o contraste intenso entre figura e fundo, um contraste que foi a tal ponto exacerbado na imagem que resulta em uma aparente inversão de valores cromáticos: o sabiá-laranjeira, também conhecido como sabiá amarelo ou de peito roxo, aparece escuro, quase completamente negro, como as sombras e os objetos que o circundam, confundindo-se parcialmente com seu ninho, enquanto o fundo condensa os valores cromáticos do amarelo (que predomina) e do roxo (em menores proporções) num alaranjado regular. O que está em jogo na inversão aparente dos valores cromáticos que marca a foto de Vanessa?

Podemos encontrar algumas pistas para responder essa pergunta nos comentários da fotógrafa, em especial sua observação passageira de que a ave se tornou símbolo do Brasil em 2002, seguida da breve narrativa dos acontecimentos por trás da imagem, envolvendo Vanessa, seu marido e a casa em que vivem: “No final de Outubro de 2010, uma sabiá-laranjeira fez um ninho na árvore da nossa garagem que é parcialmente coberta. Lá ela botou três ovinhos que foram devidamente chocados. Em 04/11 os filhotinhos nasceram, ainda pelados e com os olhinhos fechados. Pudemos acompanhar todo o crescimento deles, o que para nós […] foi muito emocionante. Depois do dia 20/11 eles abandonaram o ninho e então foram cuidados pelos pais que vinham ao jardim buscar frutas maduras para eles. O ninho continua lá, esperando a próxima família ocupá-lo.”

O que se passa entre a narrativa dos acontecimentos cotidianos em torno das aves, a imagem que registra um dos momentos desses acontecimentos e a interpretação da ave como símbolo do Brasil? De um ponto ao outro, vamos do particular ao geral, da consistência singular de alguns instantes à imponência pretensamente universal de um significado que se projeta para fora do tempo. Nesse caminho, a fotografia ocupa uma posição intermediária que condiz com seu papel de mediação: toda imagem fotográfica transforma uma cena irrepetível em uma configuração reprodutível, ligando a singularidade irredutível de seu referente à generalidade abrangente de seus múltiplos significados possíveis, conforme os contextos em que circula. O sabiá-laranjeira da garagem de Vanessa pode se tornar, pela fotografia e pelos comentários que a acompanham, entre tantas outras coisas, um símbolo do Brasil. No símbolo, a estética da foto de Vanessa e todos os seus elementos – que repercutem sobre a percepção como formas sensíveis – se associam à ideologia dos discursos de brasilidade e a seus valores – assumindo, dessa forma, sentidos culturais e históricos.

O diabólico

O que gostaria de sugerir é que, na foto de Vanessa, a inversão aparente dos valores cromáticos que se desenrola entre figura e fundo perturba a continuidade simbólica dos discursos de brasilidade que assombram a imagem. Se, etimologicamente, símbolo significa aquilo que vem junto num mesmo movimento, a foto de Vanessa introduz uma disjunção diabólica, num sentido preciso do termo (que obedece também a um certo jogo etimológico): aquilo que divide o movimento, que fratura a continuidade da significação. Há um deslocamento dos valores cromáticos da figura do pássaro, que simbolizaria o Brasil, para o fundo indistinto da imagem. O que me pergunto é: a esse deslocamento na relação entre figura e fundo corresponde algum deslocamento na relação entre estética e ideologia? Em outros termos, o fato de ter fotografado o sabiá-laranjeira de forma inusitada – compondo uma imagem que chega até a se aproximar da estética da abstração – consegue garantir que a imagem seja interpretada contra ou ao menos longe da associação simbólica entre o pássaro e a ideia de Brasil? O que vocês acham?

 

Artigo retirado do site incinerrante.com – Autor: Marcelo Ribeiro
Artigo original aqui